"Não existe botão para desfazer." Essa é a frase que sempre escutei do professor Noam Wasserman na USC. O acordo de acionistas deve ser seriamente negociado para evitar problemas no futuro.
Imagine a seguinte situação: Um grupo de 3 empreendedores divide o equity igualmente – 1/3, 1/3, 1/3. Seis meses depois, um dos fundadores vai trabalhar em outra empresa. Dois anos depois, a Startup vai levantar dinheiro com um fundo de VC. O VC adorou a ideia, só existe um problema:
Um terço da empresa está na mão de uma pessoa que não está fazendo nada. O VC vai investir com a condição que os sócios reconquistem sua parte. Os dois sócios que ficaram na empresa ligam para o sócio que saiu. O diálogo é mais ou menos esse:
- Alô, aqui é o Roberto, tudo bom?
- Oi Roberto, quanto tempo, tudo bom. E por aí.
- Tudo Certo. Escuta, nós estamos recebendo um investimento de um VC em breve. A única condição é que você devolva a sua parte da empresa para nós. Você pode nos ajudar com essa?
- Que legal! Parabéns. Eu adoraria negociar a minha parte com você.
- Olha Carlos, você não trabalhou tanto assim na empresa. O certo é você entregar sua cota para a gente.
- Negativo, a maioria das ideias que vocês estão implementando foram minhas.
- Poxa, Carlos. Você saiu com 6 meses de empresa. Você está ganhando um salário de Diretor de Marketing numa multinacional. Eu e o Antônio estamos aqui ralando.
- Ahh Cara, não vem com essa. É o seguinte. De graça não vai rolar, eu vendo pra você por um milhão e meio. Pode ser?
- Sacanagem, você sabe que a empresa não consegue pagar. Eu vou ter que tirar isso do meu bolso, de repente pedir emprestado pro meu pai. Isso é loucura.
- Então não tem acordo.
- Cara, para com isso.
- Olha, me liga de volta quando você tiver uma proposta e nós negociamos, beleza?
Na prática, os dois sócios operadores ficaram reféns do sócio que saiu. Tudo porque o acordo de acionistas que eles fizeram foi mal feito. Infelizmente, isso é muito comum.
Como evitar essa situação? Com um bom acordo de acionistas que leve em consideração os diversos cenários futuros. O que acontece se um sócio desistir no meio? Quando um sócio compra a participação do outro? Em qual valor? O que acontece se um dos sócios desistir no meio e um fundo quiser entrar (exatamente o cenário que vimos)?
Um instrumento bem usado nos EUA, que já é adotado por aqui, é o Vesting. O Vesting é um acordo no qual a participação na empresa é determinada por tempo de permanência ou por performance. A participação de cada um vai se acumulando com um tempo, se um dos sócios desiste, ele não ganha participação ou ganha uma participação reduzida.
No caso específico que discutimos, existe um instrumento que evitaria qualquer empecilho legal. O “Cliff”. O Cliff determina um tempo para começar o vesting. Na prática, se alguém não completar 1 ano na empresa, não ganha nada. O sócio que não trabalhou seria simplesmente “Cliffado”, não receberia nada e o problema não existiria.
Os VC’s americanos não gostam de participações iguais – divisões 50%-50%. Isso dá a sensação de pouco pensamento. Entretanto, é o tipo de divisão mais comum, por ser mais fácil. Mas é uma solução que pode gerar muitos problemas. Um sócio pode contribuir mais que outro. Um pode ser investidor e outro trabalhar. Um pode ser o detentor da patente e o outro está criando a empresa. Contribuições desiguais precisam de divisões desiguais.
Um dos grandes motivos para fundos não investirem em fundadores são cap tables que não refletem a realidade. Um fundo não vai querer fazer uma serie A se o investidor Seed pegou mais de 30% do negócio. Um fundo seed vai ficar receoso de ser sócio de um anjo com mais de 20% do negócio. Pior ainda, ter um sócio que investiu na ideia e pegou 50% ou mais do negócio. O investidor gosta que o equity esteja com quem está trabalhando no dia a dia do negócio.
A melhor forma de evitar situações futuras desconfortáveis é antecipando-as. Pense no que pode acontecer no futuro. E se um sócio for com a família para o Canadá? E se meu sócio passar 4 anos trabalhando, conseguir todas as suas cotas e quiser vender para o seu vizinho. Ele pode? Você ficaria confortável sendo sócio do vizinho do seu co-fundador?
Minha mãe sempre diz, “pensamento evita sofrimento”. Nesse caso é completamente verdade. Em negociações de equity, acordos de acionistas, rodadas de investimentos, não existe botão desfazer. Antes de começar uma empresa, informe-se sobre melhores práticas de acordos de acionistas e consulte advogados especializados em direito societário e startups. É um investimento que vai dar muito retorno no longo prazo, seja qual for seu plano para a sua empresa.
Fernando Alves é mestre em negócios (FT-MBA/2019) pela University of Southern California e bacharel em economia pela FGV. É o fundador da PilarX – consultoria de inovação e marketing.
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