A escolha de mercado adequada, o fundador brilhante e o sucesso inicial são importantes para o sucesso da Amazon. Entretanto, a empresa está entre as maiores do mundo por conta da sua Cultura de Inovação
Eu sempre fui fascinado pela história da Amazon. No meu MBA na USC Marshall, entretanto, foi quando eu tive a oportunidade de fazer uma imersão na cultura da empresa. Quase todas as semanas eu ia para uma palestra com um colaborador da Amazon. Todas as vezes eu aprendi algo de novo. O objetivo desse artigo é justamente compartilhar um pouco desse aprendizado.
Por que Amazon?
A Amazon é uma das poucas empresas no mundo capaz de criar novos negócios de sucesso consistentemente e frequentemente (pelo menos foi assim até agora). A empresa começou como uma livraria virtual. Expandiu seu negócio para outras categorias. Criou um negócio de Marketplace, com serviços de armazenagem, promoção e distribuição própria. Possibilitou que milhares de empreendedores virassem milionários. Fabricantes, lojistas e escritores independentes. A empresa criou a infraestrutura para possibilitar a escala de livros digitais e, com isso, deixou de joelhos a maior livraria dos EUA (Barnes & Nobles).
Quando eu morei em L.A, entre 2017 e 2019, a Amazon já entregava produtos em 1 dia com o Amazon Prime. Praticamente toda a semana eu pedia alguma coisa. Assim como todas as pessoas que eu conhecia e todos os californianos.
Grandes lojas, como a Macys´s, estavam virando conjuntos habitacionais ou escritórios. Os Shopping Centers estavam tentando atrair marcas digitais para Popup Stores. Muitos varejistas estavam enfrentando um dilema: Digitalizar ou morrer.
O Wallmart virou um gigante digital. Nordstrom e Bestbuy são exemplos de marcas que conseguiram integrar a experiência online e offline. Empresas como Trunk e Stichfix criaram negócios de assinatura digital, combinando a expertise em Inteligência Artificial com o olhar humano.
A Amazon começou a revolução. Mas não parou por aí. Teve que investir em uma infraestrutura robusta para aguentar picos de demanda, como Natal e Black Friday. Para aproveitar a Infraestrutura no resto do ano, a empresa criou um negócio de aluguel de servidores e máquinas virtuais, chamado Amazon Web Services (AWS). O AWS não foi apenas o pioneiro em computação na nuvem. É até hoje o líder de mercado. A AWS é o negócio mais lucrativo da Amazon.
A empresa está sempre se reinventando. Seja na gestão de processos interna ou no contato com o cliente.
Como a Amazon virou o que é hoje
Jeff Bezos em seu escritório nos dias iniciais da Amazon.com
Jeff Bezos não tem um histórico comum de empreendedor de tecnologia. Ele trabalhava em um Fundo de Investimentos Quantitativo quando se deparou com a informação de que o uso da internet estava crescendo 1,000% ao ano.
Bezos não tinha uma paixão por livros. Ele fez um estudo de mercado com 20 categorias de produtos e achou que livros seria a melhor. Existiam mais livros do que para qualquer outro produto. Eram 3 milhões de livros diferentes à venda nos EUA, contra 200,000 CD´s. Por isso, nenhum varejista conseguiria ter em estoque todos os livros disponíveis nos EUA. Porém, um vendedor online poderia.
Desde o começo, Bezos criou o negócio com foco em gerar valor real para o cliente, de uma forma que nenhum outro competidor poderia. Primeiro, disponibilizou um catálogo gigante de livros. Depois, foi agregando conveniências, como a possibilidade de comprar com um cliques e algorítimos de recomendação capazes de criar desejo nos clientes.
Posteriormente, foi agregando outras categorias e entrou no modelo de Full-Commerce, vendendo praticamente tudo, de A a Z. Lançou negócios impressionantes como o FBA (Fullfill by Amazon) que possibilitou que varejistas pudessem usar o sistema de distribuição da Amazon e o Amazon Prime, que dá a possibilidade de entrega de qualquer produto em até 2 dias, sem taxa de entrega, por um valor mensal.
Hoje, a empresa tem um sistema de logística impressionante nos EUA, contando com jatos comerciais próprios para logística e armazéns robotizados. A empresa estuda o sistema de entrega usando Drones e a criação de lojas físicas nas quais o consumidor pode pegar um produto e sair sem passar pelo caixa. O pagamento será debitado direto da conta do cliente. Quando visitei a Amazon em Seattle, tive a oportunidade de ver o projeto piloto, já operacional para funcionários da empresa.
Em resumo, a Amazon virou o que é hoje pela capacidade de estar sempre um passo à frente da concorrência. A empresa se orgulha de ter uma obsessão pelo cliente. Eles estão dispostos a arriscar a e a fracassar, pois entendem que o fracasso faz parte do processo. Os sucessos mais do que pagam a conta. Hoje, a Amazon é uma das maiores empresas do planeta.
Entrevista com Jeff Bezos em 1997
Nessa entrevista com Jeff Bezos em 1997 é possível ver que os valores que fizeram a Amazon grande existem desde a sua fundação.
O que torna a Cultura da Amazon diferente
A grande dificuldade que toda a empresa de sucesso enfrenta é crescer sem perder a capacidade de inovar. No começo é fácil inovar. Os sócios e colaboradores estão em contato constante. A medida que a empresa cresce, a comunicação cai. Começam a se formar subculturas dentro da empresa. FIca dificil preservar a unidade cultural. Os fundadores precisam delegar decisões importantes.
Jeff Bezos não era apenas obcecado pelo sucesso da empresa. Ele era obcecado pela contratação. Ele gostava de dizer que alguém contratado hoje na Amazon já não seria mais capaz de entrar daqui 5 anos. Enquanto pôde, Jeff Bezos fez pessoalmente todas as decisões de contratação da empresa. Quando isso já não era possível, ele tornou o processo rigoroso e estruturado.
Quando me candidatei para trabalhar na Amazon, precisei escrever uma redação detalhando uma metodologia de trabalho que havia realizado. Apenas 5% dos entrevistados passam dessa fase. Eu passei. Na segunda fase, tive que fazer 3 entrevistas. Uma das minhas foi com um ex-agente do FBI. Esse é o nível de seriedade desse processo.
Veja a seguir os principais pontos que caracterizam a Cultura de Inovação da Amazon:
Os princípios de liderança
As entrevistas da Amazon são baseadas nos seus 14 princípios de liderança. Eles regem todos os processos de contratação, promoção e bonificação dentro da empresa. As perguntas de uma entrevista típica da Amazon testam suas habilidades e a sua trajetória de acordo com esses princípios
Esse princípio empoderam seus colaboradores para serem donos do negócio. Eu conheci um gerente de produtos focado no Amazon Prime Now. Esse produto garante a entrega no mesmo dia ou no dia seguinte. O negócio estava no negativo havia 3 anos. O gerente de produtos não demonstrou preocupação. A empresa sabe que pensar grande também quer dizer pensar no longo prazo. Enquanto ele demonstrar que está pensando de acordo com os princípios da empresa, mesmo sem alcançar resultados, seu emprego está seguro.
A Amazon entende que controlar o comportamento é mais importante do que controlar o resultado. Um bom comportamento trará bons resultados.
Flywheel
O Flywheel é uma maneira visual de entender o modelo de negócios da Amazon. Veja abaixo:
Representação da Flywheel
O modelo da empresa se baseia em crescimento. Ao atingir um tamanho maior, a empresa consegue reduzir seus custos de infraestrutura.
Reduzir os custos de infraestrutura, leva à preços menores.
Preços menores e maior seleção de produtos impactam a experiência do cliente. Uma melhor experiência do cliente trás o interesse do público, tráfego e, por consequência, vendedores. Ou seja, o objetivo do modelo de negócios é fazer com que crescimento gere mais crescimento.
A mentalidade da Amazon é automatizar tudo o que for possível. A automatização gera ganhos de escala, reduz o custo unitário dos produtos e gera vantagem competitiva. Um negócio de livros usados, por exemplo, precisa contemplar um método automatizado para classificar o estado do livro (de péssimo à quase novo, por exemplo). A Amazon não investe em negócios cuja necessidade de trabalhadores cresce junto com o negócio.
Day 1
Os colaboradores da Amazon são constantemente incentivados à inovar e tomar riscos. No primeiro dia de uma startup (Day 1), a empresa está construindo seu negócio. No dia 2, a empresa está gerenciando seu negócio.
A cultura de Day 1 incentiva os colaboradores a construir, pensar diferente e tomar riscos. Grandes riscos e grandes fracassos são celebrados na Amazon. É uma cultura que premia a coragem e que entende que o preço do risco são os fracassos eventuais.
Foto tirada no HQ da Amazon em Seattle
Reuniões baseadas em papers
Quem convoca uma reunião para discutir um assunto é obrigado à escrever um paper. Jeff Bezos gostava de ler um racional completo, do começo ao fim, e depois discutir a respeito.
Dessa forma, uma longa exposição sobre o assunto se torna uma curta leitura. A reunião deixa de ser expositiva e torna-se uma discussão. Ou seja, em uma reunião típica será apresentado um paper, a equipe irá ler em silêncio por 5-10 minutos e depois irão discutir.
Essa metodologia divide corações. Alguns acham mais fácil expor as ideias verbalmente. Outros acreditam que, com esse formato, a equipe irá ganhar tempo e ter discussões mais aprofundadas.
Eu sou particularmente fã desse método, apesar de acreditar que seja bem difícil de implementar. É necessário uma equipe altamente motivada e qualificada para fazer essa ideia funcionar.
Compartilhamento de conhecimento e colaboração
Colaboradores na Amazon são incentivados a ensinar uns aos outros. Colaboradores podem oferecer cursos e workshops baseados nas suas especialidades. Além disso, existe uma "wikipedia" interna aonde colaboradores detalham como resolveram problemas complexos que podem ser enfrentados por colaboradores em outras partes da organização. Alavancar o compartilhamento de conhecimento é um dos grandes desafios de uma grande organização.
Decisões Tipo 1 e tipo 2
As decisões tipo 1 são irreversíveis e podem causar grande impacto nos resultados da empresa. As decisões tipo 2 podem ser revertidas e têm menor impacto em caso de fracasso.
Jeff Bezos incentiva os líderes na Amazon à deixar as decisões Tipo 2 à cargo dos seus subordinados e tomar as decisões tipo 1.
Empoderar colaboradores a tomar decisão pode levar à melhoria na qualidade. Normalmente, quem está à frente de uma situação tem a melhor informação e pode tomá-la com maior qualidade e agilidade. Dessa forma, o líder deve delegar o máximo de decisões possíveis, focando-se naquelas mais críticas para o futuro do negócio que está liderando.
Ou seja, deve tomar apenas decisões tipo 1 e delegar decisões tipo 2.
Conclusão
Jeff Bezos falava que não fazia sentido contratar pessoas inteligentes e lhes dizer o que fazer. Pessoas inteligentes dirão à você o que fazer. Isso subverte a lógica da liderança heróica, na qual o líder sabe mais. O líder é assertivo e bate na mesa e os outros obedecem. A filosofia da Amazon se baseia na contratação de pessoas empreendedoras e altamente capacitadas, que serão motivadas pela autonomia e senso de dono.
Uma grande empresa precisa de regras e procedimentos que incentivem a inovação para funcionar.
Criar as regras e procedimentos e sistemas de gestão que valorizem a construção, teste e validação de novos negócios explica porque a Amazon é uma das empresas mais disruptivas da atualidade.
Fernando Alves é mestre em negócios (FT-MBA/2019) pela University of Southern California e bacharel em economia pela FGV. É o fundador da PilarX – consultoria de inovação e marketing.
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